Os Emigrantes

O voto dos portugueses residentes no estrangeiro é o voto de um «emigrante» ou voto de um cidadão? 

Se considerarmos o voto no estrangeiro como sendo o de um cidadão é preciso dar as condições idênticas às dos portugueses residentes em Portugal sem os culpabilizar de estarem fora do país.

Se o considerarmos, pelo contrário, comoo voto dos emigrantes as condições para o realizar podem ser mais fracas. Porquê esta suposição?

Na história recente dos últimos cinquenta anos diz-se dos « Emigrantes » que são Portugueses que saíram de Portugal devido a razões económicas.

Nos anos sessenta Portugueses saíram dopaís uns por não se terem oposto declaradamente ao regime de Salazar para o combater, outros por terem tomado consciência do abuso do poder dos políticos se terem revoltado e para fugiram à perseguição da PIDE.

Estes últimos optaram pela solução de fugirem por já terem sido esmagadoramente recalcados epostos nas prisões políticas (é o caso, por exemplo, de Mário Soares em França e de ÁlvaroCunhal na Rússia).

Outros saíram ainda para irem estudar fora do nosso país, para trabalhar já tendo terminado estudos superiores, como ainda hoje isso acontece com o presidente da ONU Antonio Guterres, oex-presidente da Comissão europeia José Durão Barroso ou Antonio Damásio professor e pesquisador em neurociências).

Mas outros ainda foram para o estrangeiro para evitarem a tropa!

Não se diz em Portugal e ninguém se considera a si próprio por todas estas razões que é emigrante. O que as diferencia politicamente e socialmente?

Os «Emigrantes» de que se trata quando se fala dos portugueses que deixaram “a pátria” e a que me refiro são aqueles que saíram de Portugal sem se terem revoltado diretamente contra o regime; é a estes que o termo de «emigrante» é apropriado pois não fugiram à Pide por terem ideias subversivas ou cometido atos contra o regime. Fugiram para tentarem obter melhores condições devida sem passarem pela tomada de consciência das forças políticas em jogo no país de onde vinham e sem poderem participar nelas. Se estas pessoas sabiam que não se deviam meter em políticas pois, caso contrário, eram despedidos do emprego, eram considerados como traidores da pátria como comunistas ou maus cristãos (1), não tinham uma consciência política para optarem por uma opinião ou outra e votarem por um partido da sua sensibilidade política.

Na escola primaria não se ensinava a refletir, mas a obedecer e a ter medo da autoridade queagia com as crianças arbitrariamente e sempre com desprezo e maus tratos.

Essas questões de política só deviam interessar quem tinha tirado um curso superior e estava dolado do poder, quem mandava, quem tinha o poder e possuía dinheiro e se punha do lado dosque mandavam.

Os «emigrantes» não eram refugiados políticos nem pediam asilo.

Os refugiados políticos pertenciam a uma classe social de oposição ao regime e, se pediam asilo político num outro país, era uma minoria de pessoas que já tinha sido presa.

No país de acolhimento, os «imigrantes» foram considerados pelo França, por exemplo, como pessoas necessitando de trabalho e de melhorar as suas condições de vida económica. Eram aceites à condição de se submeterem aos trabalhos que os franceses não gostavam de fazer por os acharem penosos.

E é por isso que se lhes chamavam «Emigrantes» e não refugiados políticos.

O milhão de portugueses que saíram de Portugal durante os últimos treze anos do regime doEstado Novo fugiram de Portugal evidentemente porque as condições económicas eram péssimase porque a guerra colonial empobrecia o povo.

Mas mais profundamente haverá outra razão?

O que levou os portugueses a emigrar não será essencialmente porque o estado e a PIDE não permitiam às pessoas de criticar, se ativar para procurar e conseguir melhorar as suas condições de vida em Portugal? Muitos nem sequer tinham consciência dessa possibilidade. Sem se darem conta que era essa a dificuldade de existência pois nunca ninguém lhes tinha falado disso.

Sabemos que as pessoas que reclamavam direitos eram presos e torturados e, por vezes,desapareciam ou eram mortos na sala de tortura. A solução era então «calar-se» para proteger asua vida e a dos seus familiares.

Por essas razões sobretudo, as pessoas emigraram para obter melhores condições de vida, mastambém para não serem destruídos pelo regime que lhes impunha o silêncio, a submissão e aresignação.

O povo português sentia que algo não estava bem, mas não sabia o quê pois a elaboração dopensamento, da critica, estava longe de ser permitida… Bem pelo contrário, todos sabiam queera um sujeito tabu como o da sexualidade.

O conceito de «emigrante» é utilizado neste contexto para abranger muito mais que a primeira aceção que é a do sujeito que saiu do seu país para ir viver noutro. Ele sintetiza em si muitas outras significações que não podemos deixar de tentar elaborar.

A maior parte destes «Emigrantes» não tinham nenhuma perceção do que era escolher quem governasse o país deles, nunca tinham votado e nem a isso tinham sido solicitados por outro partido que o que regia Portugal e que era o único possível e viável porque o único permitido: o do Estado Novo que Salazar dirigia. Os outros eram clandestinos.

Sem haver sequer outro partido pelo qual poderiam votar e ter assim um ponto de comparação,não tomavam parte nas decisões sociais e políticas do país deles.

Os «comunistas» eram todos aqueles que descordavam com o regime oficial.

Sem ponto de comparação não se podiam determinar por aquele partido que lhes conviessemelhor ou por nele se identificarem e nele encontrarem pessoas com as mesmas ideias, aspiraçõese ambições.

Também não tinham comparação com outros modos de viver porque aceitando a sua condiçãoresignadamente nunca poderiam emancipar-se dela para virem a ter as regalias que os queestavam no poder tinham e mantinham entre eles.

Os portugueses que vieram para o estrangeiro nessa época não tinham consciência política etambém não a adquiriram nem fora do pais deles nem ao ritmo dos que continuaram a viver emPortugal.

Restava uma solução que alguns aproveitaram pondo-se do lado do poder. Participando ao poder, contra os próprios irmãos por falta de verdadeira escolha e por «identificação ao agressor»(2), o que detinha poder e violentava os outros. Os cães de guarda: os PIDES. Faziam-no contra opróprio interesse deles que era de serem pessoas libres, pensando por si próprio, tomando decisões responsavelmente!

Não é verdade que a política do regime era de se opor à saída do povo de Portugal, opunha-se sim a quem não lhes obedecia em Portugal e a quem recusava de obedecer às suas decisões como, por exemplo, continuar a guerra colonial.

O estado fazia de conta de se opor. O regime paternalista só podia dizer que se opunha pois não podia considerar que o povo não gostasse dele. Quem saiu, por seu lado, devia sentir-se culpado de ter deixado a terra mãe. E merecia castigo!

Mas, achariam que mais valia que se fossem embora que ficassem e viessem encher ainda mais as prisões como gente desobediente.

Um milhão de pessoas saiu de Portugal em cerca de dez anos nestas condições de sobdesenvolvimento intelectual à origem do economicamente lamentável para o povo.

Era o Portugal obscurantista e incapaz de evoluir fechado que estava dentro de suas convicções.

Aquando a Revolução do 25 de abril, muitas pessoas foram reintegrando seu país, suas origens, seus lugares conhecidos da infância e seus entes queridos que por lá tinham ficado sem saber quando nem como a vida deles poderia melhorar, sem nenhuma projeção no futuro.

Os portugueses que vieram para o estrangeiro nessa época não tinham consciência política etambém não a adquiriram nem fora do país deles nem ao ritmo dos que continuaram a viver emPortugal.

Os portugueses residentes no estrangeiro sem educação política nenhuma não regressaram.Estavam instalados noutro pais que os tinham acolhido sem os perseguir e onde subsistiam comcondições bem superiores às que tinham deixado.

Ao passo que os «Emigrantes» tinham conseguido ganhar melhores condições materiais, os queficaram estavam nas mesmas condições económicas que quinze anos atras.

Essa gente que representava 1 /10 da população total era a força de trabalho de Portugal quepara lá enviou muito dinheiro sem nenhuma consideração e para quem ainda hoje existe atendência a se perpetuar a culpabilidade de terem abandonado a pátria…

«Emigrante!».

Para os imigrantes não lhes faltava mais meios nenhuns para sobreviver, mas também eram pouco ou nada considerados pelos franceses que os aceitaram num estatuto de pessoas gentis, servíveis, doceis… correspondendo assim à educação e à cultura nas quais tinham sido educados e habituados sob a ditadura: a obedecer.

Os políticos que pretendiam rivalizar com o governo para reclamar mais liberdade, sobretudo liberdade de expressão e de critica, os que tinham a capacidade de se extrair da sua condição de obediência com a convicção que um Homem vale tanto que outro Homem: aos intelectuais não lhes era permitido falar. Ninguém dizia o que havia a dizer. Toda a gente se calava.

Restos de memoria dos cristãos novos? «cala-te»!(1)

Não digas quem tu és: judeu, nem o que pensas quando não é conforme a quem manda!

Depois do 25 de abril a população portuguesa residente em Portugal teve a oportunidade de nãose «calar», de dizer ou de criticar o que é dito, de tomar posição mesmo se essa posição é mimetismo e forma de estar de um grupo ao qual se quer conformar e possivelmente identificar. A evolução do sentido critico devida à confrontação ao outro diferente de si, a postura respeitosa do reconhecimento do outro diferente de si próprio com o direito a ter opiniões divergentes das suas levou a uma desfasagem na evolução da população residente em Portugal e a que vivia foradele. O que nos leva a crer que efetivamente o Portugal que se deixou nesses anos sessenta é o que se espera reencontrar quando se lá vai matar saudades ou mesmo para viver na reforma. O seu país é aquele se deixou há cinquenta anos. Terra da sua infância.

Um fosso se foi alargando entre as duas maneiras de viver e de se estar na vida pois osportugueses residentes fora do seu país adotaram necessariamente atitudes e designam as coisassegundo o lugar e a língua vincular de onde moram.

O papel dos nossos governantes para com o povo português onde quer que a pessoa viva hoje, não deveria ser o de acolher, de o considerar e de o tratar como português e Luso-descendente com a mesma atenção e respeito que um Português que vive em Portugal? O governo não deveriadar a prioridade à educação, à aprendizagem e à difusão da língua portuguesa nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo?

Em 1972, Mário Soares escrevia no seu livro « Le Portugal bâillonné»: « L’intolérance féroce de la dictature et les hasards d’une lutte inégale m’ont provisoirement poussé à l’exil dans lequel je me trouve actuellement. Souvent, au cours des dernières mois, j’ai dû résister à l’appel d’une vie différente, plus facile parce que libre, réalisée sur le plan culturel et sans le spectre de la prison ou des persécutions à chaque détour du chemin. Mais la voix insistante de la patrie a toujours été la plus forte. Près d’un million de travailleurs émigrés en France me rappellent à chaque instant, de mille manières, qu’il n’y a pas de combat plus nécessaire et plus urgent que la libération du sol quinous est commun ». (2)

Continuar a tratar ainda hoje de «Emigrantes» os portugueses que nessa altura estavam fora de Portugal sem os considerar simplesmente como Portugueses residentes no estrangeiro é uma forma de desconsideração e de discriminação. Quem mais que os portugueses residentes fora do solo português têm necessidade de apoio e de consideração da parte dos que residem em Portugal e de quem dirige politicamente Portugal, seus concidadãos?

É da responsabilidade do Governo reintegrar a totalidade desta população que vive noestrangeiro como sendo cidadãos portugueses pois é ele que os representa e que os deveproteger.

(1) Podemos interrogarmo-nos qual é o eco, o paralelo desta fugida da pátria nos anos sessentadaquela provocada contra os judeus no século XVI. Os judeus fugiram e os cristãos novos ficaramfazendo de conta que obedeciam: os marranos.

(2) A identificação ao agressor tem duas aceções a primeira é uma defesa psíquica que consisteem não reagir à agressão do outro para limitá-la e evitar a escalada, a segunda é num segundotempo, imitar por mimetismo e procedendo como o agressor.

(3) « Le Portugal Bâillonné » Mario Soares, CALMANN-LEVY, 1972, Pagina 290